Numa tarde fria de Inverno que não era suposto (segundo os códigos das amizades normais entre um rapaz comprometido e uma rapariga solteira que “Alguém ditou um dia”), Joana e Francisco encontram-se com o intuito de ultimar os presentes de Natal e aproveitar a tarde para, tranquilamente, colocar a conversa em dia. O objectivo secreto (ou melhor, quase secreto – porque foi descaradamente divulgado pelo Francisco em tom de brincadeira) era aproveitar a luz do dia para esclarecer sentimentos, detectando defeitos, fossem físicos fossem comportamentais, de cada um. A esperança residia no seguinte pressuposto:
Depois de jantares a meia-luz e de uns copos de vinho tinto com uma pessoa que nos acompanha há alguns anos, com a qual gostamos de conversar, com a qual temos valores e convicções em comum, a qual consideramos bonita física, emocional e psicologicamente...parece provável que mais cedo ou mais tarde se torne inevitável surgir a chamada química. O toque no braço que ganha outro significado, o olhar que diz coisas que a boca não ousa, o sentir dos aromas que se intensifica, os lábios que entreabrem com o desejo de beijar, a temperatura do corpo que aumenta e o coração que dispara quase até ser audível ao exterior...Mas sejamos realistas, à luz do dia, numa tarde stressante de compras, entra e sai de lojas, “agora não gosto desta ideia”, “afinal não era bem isto que eu queria”, “hummm...não sei... queria comprar algo especial – percebes?”, ninguém é assim tão irresistível? Aliás há seres humanos que se tornam verdadeiramente insuportáveis em contextos banais como na simples actividade de “fazer compras”...
Depois de a Joana ter chegado 15 minutos atrasada à hora já adiada durante a manhã (era sempre a mesma coisa e ele também não esperou muito), encontram-se numa das zonas centrais de Lisboa, Saldanha. Alheios à azáfama envolvente da quadra natalícia, cumprimentam-se com um abraço e uma sensação de conforto por estarem juntos. Começaram por ir beber um café, tipo fase de preparação para as compras. O café passou a lanche e a conversa banal passou a descoberta ou aprofundamento do ser. Os olhares foram mudando de expressão assim como, o tom das palavras, o discurso, as perguntas e respostas, e a distância que os separava. Não só a física.
Passaram-se talvez duas, ou quase três horas nenhum dos dois teve bem a noção, até finalmente terem coragem (não vontade) de sair daquele espaço mais privado para o centro comercial onde era necessário enfrentar o frio, a confusão, as prendas, as pessoas, os outros... Foi relativamente rápida a concretização da tarefa. Presentes, alguns um pouco afastados da idealização prévia, foram comprados. No fundo, deixou de interessar se a pessoa x ou a pessoa y ia realmente gostar do presente b ou c, o que interessava era a conversa de há pouco que estava animada, entusiasmante, reveladora e que tinha deixado “água na boca”, sede de saber mais, de conhecer mais, de trocar mais experiências e revelar mais fragilidades e ambições, sede de estar, sede de ficar mais perto, sede que era imperativo matar antes que alguém, ou algo a tentasse afogar. Nesse dia o risco de afogamento foi-se tornando improvável até ser reduzido a impossível. O dia era deles e até acabar e chegar o dia a seguir nada os iria afastar.
Com um novo pressuposto (os anteriores ficaram um pouco em stand by) a noite era uma criança e havia tanto por falar, ouvir e conhecer. Novos espaços, novas características, novos segredos por revelar, novas sensações, gostos e sabores... Partiram para o carro para irem à procura de um sítio para jantar. Não havia muita fome, nem queriam ir para um restaurante à séria. O que interessava era o espaço ser mais uma descoberta que, combinasse com a atmosfera existente, que permitisse comer algo para não cair em fraqueza mas, que não ocupasse muito tempo ou necessitasse de muita dedicação uma vez que a comida não seria, de todo, o centro do momento.
O restaurante que tinha vindo à memória não se enquadrava bem no perfil pretendido mas era necessário tomar decisões para não roubar demasiado tempo e lá se puseram ao caminho. Por obra do acaso outro espaço fantástico e ideal surgiu diante dos olhos. Lá estiveram confortáveis, deliciados com a escolha e com o que viam e sabiam um do outro. Para ela, cada olhar mais atento o faziam mais belo e encantador. Seria da camisa branca que lhe assentava a matar, o cabelo despenteado e descontraído, seria das armas que estavam no chão? Não soube responder mas sentiu e encantou-se...
Os beijos que trocaram a seguir, os abraços, os carinhos, as palavras doces do sentir, sem promessas mas com todo o fulgor do fim, que não se avistava ainda mas que sabiam inerente, fez vibrar de paixão, amor e sedução. A força dos abraços só foi trocada pelo abraço dos amantes que tranquilamente descansam de ternura e sonolência imposta pela intensidade do momento. O dormitar que imperava levou-os para o plano dos sonhos... o acordar e o adeus para a madrugada fria do dia a seguir...
Não combinaram encontrar-se mas é provável que o façam pois são amigos para além dos amantes que foram. O que sentiram ficou em cada um deles num determinado espaço de tempo e momento da história. Que tipo de momentos mais o futuro reserva a Francisco e Joana só o tempo o dirá e apenas a Deus pertencem esses segredos.
* Homenagem aos meus filmes românticos favoritos.
1 Comments:
genial!
By Anónimo, at quarta-feira, dezembro 27, 2006 6:52:00 da tarde
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